7.4.15

Jornal do Brasil





O engenheiro de tráfego e o médico clínico


Celso Franco

Existe alguma semelhança? Todas. Para começar, ambos salvam vidas. Ambos necessitam de testes de laboratório para chegar ao diagnóstico, sendo que para o engenheiro é o controle estatístico. Ambos necessitam estar constantemente se atualizando sobre a sua profissão, sob pena de perder o “bonde da história”. Ambos, por diversas vezes precisam adotar remédios amargos para a cura dos males que se lhes apresentam. Ambos correm o risco da falta de recursos para a cura do mal que já diagnosticaram e, não raras vezes, encontram pacientes rebeldes, arredios ao seu tratamento. Ambos enfrentam concorrência dos que preferem a solução pela cirurgia, no caso do engenheiro a solução das obras de arte, como novas vias, viadutos, demolições, etc.
Orgulho-me de ter sempre empregado o procedimento do clínico, fruto do aprendizado europeu, onde não se pode agredir a história das cidades daquele continente. Houve a exceção da destruição sofrida na Segunda Guerra, que permitiu o trabalho conjunto do “clínico”  e do “operador”, principalmente na Alemanha e nas cidades destruídas pela ação de sua aviação e de seu exército.
Reconstruíram-nas já considerando o automóvel que, segundo P.D. Spreiregen, em seu livro “Compêndio de Arquitetura Urbana”, deixou registrado: ”O automóvel origina confusão para forma urbana, porém, pode criar uma nova ordem geral da forma”. E, em outro trecho: “O automóvel é o urbanista das cidades modernas.”
E eu ousaria dizer:  “Haja visto Brasília”.
O grande e imprescindível auxiliar do engenheiro de tráfego, como o exame laboratorial para o médico clínico, é o rigoroso controle estatístico do acidente de trânsito e, aí se confundem as duas profissões.
A nossa CET-Rio, foi-me permitido visitar e ver, possui um excelente controle estatístico dos acidentes na nossa cidade. Pena que não dê conhecimento ao público do que pesquisa e, desta forma não adverte, como propus que o fizessem, através de um sistema que vi na Suíça e cuja rejeição fizeram me afastar de lá.
Na minha feliz gestão no então Estado da Guanabara, em 1969, atingimos o Zenith de uma administração de trânsito, ou seja, dando por definida a circulação urbana e só a modificando em obediência às pesquisas de acidentes, que recebíamos da novíssima seção: Pesquisa e divulgação. Recém criada, fruto da evolução da eficiência da engenharia que o brilhante engenheiro Gerardo Penna Firme realizava. Teve como seu primeiro chefe o não menos brilhante engenheiro Antônio Vilardo, que propiciou, no final daquele ano, a divulgação do “Livro Negro do Trânsito”, onde se registravam todos os acidentes (pontos negros), com uma análise detalhada de suas causas.
Foi graças a esta nova seção que realizamos a “Operação Bambolê” que, como o nome diz, fez o tráfego girar, em sentido único, em torno do túnel do Pasmado, acabando com aquela entrada à esquerda do tráfego oriundo de Copacabana, para assomar a rua da Passagem, que criava um enorme índice de acidentes, com o tráfego de saída daquele túnel. Esta “operação” provocou a ira do comércio da rua da Passagem.
Resistimos, nós e o Governador, aos abaixo-assinados, argumentando que não tínhamos que dar duplo sentido ou sentido único para atender ao comércio. O que tínhamos que fornecer, e o fizeramos, era a criação das áreas de carga descarga e o estacionamento para seus clientes, facilitados pelo novo sentido único de circulação. Está assim até hoje, faz 46 anos.
Toda esta parábola que acabo de tentar demonstrar é fruto de minha revolta em ver, no noticiário, da grande mídia, o trágico acidente rodoviário, com um ônibus, que deixou 51 mortos. Proporção de desastre aéreo.
Não é possível que DNIT, antigo e saudoso DNER, não tenha um controle estatístico dos acidentes na malha rodoviária de sua responsabilidade.  Caso não tenham, meus pêsames. Deveria estar relacionado, eu sinceramente acredito que o tenham, os locais onde mais ocorrem acidentes e, na curva que este ocorreu, eu juro que já deve haver ocorrido muitos outros.
Espero que lá exista aquele aviso ridículo e inútil, sem a complementação das medidas de “traffic calming”, “Curva perigosa”. Pois se é perigosa, a corrijam. 
É como escrevi, fazem mais de quarenta anos aqui no JB, uma série de cinco artigos intitulados: “Acidentes raramente acidentais.”
E o pior é que são mesmo. Houvesse, apesar das deficiências que fazem desta curva um perigo, uma defensa metálica de um metro e meio de altura, montada em pilares de aço, ou do tipo “Box Beam” e não teria havido, apesar do descontrole do motorista, a descida pelo barranco de tamanha profundidade que ocasionou esta carnificina.
Enquanto o Código de Trânsito Brasileiro não responsabilizar e punir as autoridades responsáveis pela segurança de nossas estradas assassinas, continuaremos a lamentar seus mortos,  a mídia a noticiar as tragédias e, “tudo ficará como dantes do quartel de Abrantes”.

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